Defender a auto-regulação e recusar os provedores?

(Não há ninguém que não defenda a auto-regulação; mas quando se trata de dar o primeiro passo...)

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quinta-feira, dezembro 01, 2005

As (boas e más) prendas de Natal…

(está um bocadinho grande mas é uma vez sem excepção...)

Uma empresa de informática, para lançar uma nova campanha de marketing, decidiu recentemente oferecer a alguns jornalistas um leitor digital de áudio, demonstrando, com uma nota anexa, que não era possível comprar aquele produto mais barato. Eu recebi um.
O objectivo da empresa era conquistar notoriedade para esta nova campanha, tentando conseguir algumas notícias sobre. A oferta é um acto puro de relações públicas, no sentido em que desperta simpatia e pode ser uma forma de induzir à realização da notícia (cada um dos leitores custa, vi no site dessa empresa, 40 euros; se ela tiver oferecido 30 a outros tantos jornalistas não gastou, a preços de custo, mil euros; que publicidade é que comprava com mil euros? E com que resultados?).
No meu caso nem fiz notícia nem, por acaso, fiquei com o aparelho. Mas não deixo de me interrogar – agora que se aproxima o Natal – sobre o poder de sedução destas prendas. Quando é que deixam ser simbólicas (simpatia?) e passam a ser tentativas de comprar espaço mediático (corrupção)?

Vejo três respostas: o jornalista aceita tudo; não aceita nada; ou só aceita algumas das prendas que lhe oferecem. Esta última remete de imediato para a história que me contaram: consta que no Público existe um funcionário encarregado de conferir o valor das prendas que chegam à redacção (de Lisboa?). Se estiverem abaixo do limite definido pelo Livro de Estilo são entregues aos jornalistas; se forem acima são devolvidas… “De todas as ofertas deve ser dado conhecimento à hierarquia e ofertas de valor estimativo superior a 60 euros devem ser remetidas ao expedidor” (pág. 30 da 2ª edição do Livro de Estilo). No livro que escrevi para a TSF não tive coragem de impor um valor. Deixo esta citação do código deontológico da associação norte-americana "Sigma Delta Chi": «“Não (...) aceitar nada de valor” (porque quanto mais valiosa for a oferta mais expectativas favoráveis tem quem oferece!)» (Tudo o que se passa na TSF, pág. 232).

O meu autor fetiche do momento, J. Martins Lampreia, no seu A Assessoria de Imprensa nas Relações Públicas, aborda também o assunto: “Alguns profissionais têm, por vezes, dado a este assunto uma importância exagerada, enquanto a maioria dos autores tem evitado falar nele. (…) As ofertas têm de ser sempre feitas com certa dose de tacto e de diplomacia, e sob certas condições, a fim de não provocarem melindres da parte de quem as recebe. Há que ter em conta as pessoas contempladas, a ocasião escolhida, a natureza da oferta e sua frequência."(pág. 161)
E como não podia deixar de ser, a já clássica franqueza do autor: “a altura em que se dá um presente não deve ser aproveitada para pedir um «favor» ou um pequeno serviço». É preferível, quando isso for imprescindível, esperar pelo menos alguns dias, pois é importante que se sinta o acto de oferecer completamente desligado de qualquer ideia de retribuição” (págs. 164/165) (sublinhados meus...)


PS - Óscar Mascarenhas, num texto que publicou nesse mesmo livro de J. Martins Lampreia, equaciona um dado interessante: “Nos termos dos Códigos de Atenas e de Lisboa, um profissional de relações públicas não pode deixar-se subornar. Mas já não é certo que seja impedido de oferecer presentes tais aos destinatários das suas mensagens (nomeadamente jornalistas) que lhes amoleçam o ânimo. Pressupondo que quem tem de rejeitar o suborno é o jornalista, através do seu próprio código de ética, dispensaram os Códigos de Atenas e de Lisboa de fixar uma proibição específica de suborno aos profissionais de relações públicas” (pág. 11).
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