Um Natal, duas palavras, tanta diferença
Às
6 da
tarde,
no meio
do tráfego,
as notícias
da rádio repetiam
a música desolada
das palavras de sempre:
despedimentos, corrupção,
desemprego, economia, eleições
E números, números. De súbito,
duas pequenas palavras
interromperam por um momento,
como um sobressalto de calorosa vida,
a rotina monocórdica da amargura e da
decepção, dois insólitos diminutivos
perturbando a indiferença noticiosa
antes de serem tragados pela obscuridade
de mais percentagens e mais números. Uma
voz lia o boletim clínico sobre o estado de
saúde da bebé vítima de maus-tratos
internada no Hospital Pediátrico de Coimbra
e, inesperadamente, a frieza das designações
médicas vacilou e a voz (a da pediatra Jeni Canha)
tornou-se de repente desamparadamente próxima
e humana: a menina está "rosadinha" e já reclama "colinho".
As palavras são seres furtivos, capazes de sentidos onde não
alcançam, pobres deles, os dicionários. A palavra "amor",
por exemplo, não precisa de ser pronunciada para significar, e
(como se temesse mostrar-se) revela-se quase sempre sob a forma de outras palavras ou de silêncio. O seu poder é enorme e ninguém nem nada lhe está imune (nem um boletim clínico). É, como diz Sócrates
(S. Paulo também o diz), um saber. Não parecendo, aqueles dois diminutivos são termos técnicos de uma ciência
que não se aprende em nenhuma universidade e apenas
está ao alcance dos melhores de nós.
Ma
nu
el
An
Tó
nio
Pina,
in
JN
21.12
2005
(obrigado Manuel)
O Blogouve-se volta depois do Natal
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